Conto | A primeira vez da Bea dormindo fora de casa

Acordei naquela manhã já com a mente trabalhando a mil, minha ansiedade tomando conta.

Importei-me o suficiente para seguir o meu ritual matinal, mesmo sabendo que o fim daquele dia não seria nada comum.

Quase pronta para o trabalho, fui até o quarto ao lado do meu e entrei, sentando-me na cama para acordar a doce menina de cabelos tão dourados quanto os meus e que ressonava baixinho.

Logo refiz mentalmente o planejamento para o dia de hoje.

Balé, escola, natação, casa da Alicia. E, como havia acontecido nas outras quinhentas e sessenta e quatro vezes em que pensara naquilo, me apavorei.

Era a primeira vez que a Bea dormiria numa casa que não era a sua, num quarto que não era o seu, jantando uma comida que não havia sido feita por mim e era a primeira vez que eu não daria um beijo de boa noite em sua testa após ter lido uma historinha e apenas alguns minutos antes que ela fechasse seus olhinhos e se entregasse ao mundo dos sonhos.

Pensando bem, eu sofreria mais do que ela.

Minha ‘pequena’, como eu costumava chama-la, pelo fato de ser tão menor que todas as outras meninas de sua idade, estava muito contente por poder passar a noite na casa da melhor amiga, então o problema de desapegar, de desgrudar e deixa-la ir, era comigo.

Sendo apenas Bea e eu desde que soube que estava grávida, é difícil aceitar o fato de que ela está crescendo. Com seis anos, já não é tão dependente de mim quanto o era apenas dois anos atrás e sei que daqui para frente as coisas tendem a ser sempre assim e irem evoluindo.

Deixá-la sozinha numa festa, apenas levando e indo buscar; saídas ou até mesmo encontros em casa com as amigas em que não poderei participar; entre outras coisas.

Essa é a forma de ir me preparando para quando ela estiver na adolescência e quiser sair sozinha, tiver o primeiro namorado e até a faculdade, quando ela pode querer sair de casa.

No entanto, quanto mais penso nisso, nesse futuro tão incerto, mais me apavoro em relação ao agora. Ao fato de que, pela primeira vez em seis anos, não terei minha filha bem perto de mim.

Mas essa é a vida e a primeira vez de muitas.